terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Elis Regina - Elis (1972)



"O ano de 1972 foi bastante significativo para a chamada “Música Popular Brasileira” graças a artistas que lançaram discos essenciais para qualquer um que aprecie o que há de melhor em matéria de canção brasileira. Elis Regina é uma das artistas que merecem sem lembradas não apenas pela qualidade de seu trabalho em 1972, mas por todos os serviços prestados pelas artes no Brasil.

No entanto, Elis não era uma figura tão benquista no início da década de 1970 para algumas pessoas no Brasil. Muitos entenderam suas declarações contra as turminhas da Jovem Guarda e da Tropicália como reacionárias e retrógradas. Seu temperamento explosivo e espalhafatoso lhe rendeu uma aura de diva – fato que também era realçado pelo seu casamento com Ronaldo Bôscoli, um dos artífices da Bossa Nova. Sua apresentação no Encontro Cívico Nacional, evento organizado pelo governo militar em 21 de abril de 1972, regendo um coral de artistas que entoaram o Hino Nacional Brasileiro foi um amargo passaporte para a galeria de artistas que “apoiavam o regime”.

A esquerda e outros reacionários de plantão não hesitaram em levar Elis Regina para o limbo dos artistas malditos por supostamente apoiarem o regime militar, o que exigiu uma resposta imediata da cantora: seu repertório precisava ser mais jovem, mais engajado, menos sisudo. Para a execução desta missão de honra, a Philips (gravadora da Pimentinha na época) convocou Roberto Menescal para produzir o disco e o talentoso pianista César Camargo Mariano para fazer os arranjos. Elis tratou de operar o restante das mudanças necessárias: separou-se de Bôscoli (desfazendo a parceria de trabalho com o marido e seu fiel companheiro, Luiz Carlos Miéle), rompeu seu contrato com a Rede Globo de Televisão e deu início à sua parceria (musical e amorosa) com César.

Elis, segundo disco de uma série de discos que levavam o primeiro nome da artista na década de 1970, foi lançado em 1972. A partir deste disco, Elis Regina sentiu-se finalmente livre para explorar limites nunca antes explorados até aquele momento em sua carreira: sua interpretação tornou-se mais sóbria e menos exagerada; seu repertório passou a ser mais ousado, mais diversificado, mais juvenil, porém sem deixar de reverenciar o que há de melhor na tradição de monstros sagrados da canção brasileira. Enfim, este é o primeiro disco que reflete a virada musical da carreira da cantora mais importante do Brasil.

O time de compositores jovens reunidos por Elis e Roberto Menescal para este álbum é um verdadeiro escrete de talentos musicais invejáveis: Sueli Costa & Vitor Martins, João Bosco & Aldir Blanc, Milton Nascimento & Ronaldo Bastos, Fagner & Belchior, Zé Rodrix & Guarabyra, Chico Buarque & Francis Hime, Ivan Lins & Ronaldo Monteiro de Souza, Zé Rodrix & Tavito… Além de uma faixa inédita de Tom Jobim, o repertório deste disco se compõe também de regravações de dois clássicos da nossa Era do Rádio: “Vida de Bailarina” (Américo Seixas – Dorival Silva) e “Boa Noite Amor” (José Maria de Abreu – Francisco Matoso).
Veja o tracklist do disco, com uma breve explicação para cada faixa e entenda o porquê deste trabalho de Elis ser considerado um verdadeiro clássico da música brasileira:

“Vinte Anos Blue” (3:11)
Parceria da cantora e pianista Sueli Costa com o letrista Vitor Martins (que se tornaria célebre graças a sua parceria musical com Ivan Lins anos mais tarde), esta canção é uma balada melancólica que ganha uma força bastante significativa na voz de Elis, que tinha 27 anos ao gravar este clássico. O disco abre com a constatação de que a voz que canta já passou de seus 20 anos de idade e que existe uma série de “perguntas sem respostas”… O piano de César Camargo Mariano e o arranjo de cordas que surge ao final da canção conferem a esta gravação uma melancolia típica do Brasil de 1972.

“Bala com Bala” (3:12)
Elis Regina já era conhecida em 1972 como uma verdadeira caçadora de jovens talentos musicais. Neste disco, não foi diferente ao lançar uma nova dupla de compositores: o engenheiro, cantor e compositor João Bosco e seu parceiro, o letrista e psiquiatra Aldir Blanc. “Bala com Bala” é um jazz arrebatador, pontuado pelo piano elétrico de César e permitindo vários dribles vocais de Elis, que narra duelos inacabados, batalhas implacáveis e concluindo (de maneira brilhante!) que “Toda fita em série que se preza, dizem, reza / Acaba sempre no melhor pedaço”.

“Nada Será Como Antes” (2:45)
Uma das canções mais populares (e políticas) do disco, esta canção é uma parceria de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos. As notícias de pessoas “distantes” devido à ditadura militar, a falta de utopias no presente e a crença de que o futuro jamais abrigaria as glórias do passado. Há uma curiosidade em relação à versão de Elis: os versos “Alvoroço em meu coração / Amanhã ou depois de amanhã / Resistindo na boca da noite um gosto de sol” foram suprimidos para dar lugar aos versos pessimistas “Sei que nada será como está / Amanhã ou depois de manhã”. Pergunto-me o porquê de Elis ter feito esta omissão de trechos da canção de Milton. Seria por esquecimento? Seria por desconhecimento do original do Clube da Esquina? Seria intencional? Seria para deixar seu pessimismo bem claro? De qualquer maneira, a interpretação de Elis Regina de “Nada Será Como Antes” tornou o clássico de Milton menos esperançoso, o que, em 1972, era necessário para que as pessoas se conscientizassem a respeito do verdadeiro clima que pairava nos ares deste país, além de deixar evidente que a Pimentinha.

“Mucuripe” (2:27)
A quarta faixa do disco é uma toada composta por Fagner e Belchior. Apesar de ter sido gravada por Roberto Carlos e seu antológico disco de 1975, foi a versão de Elis que ajudou a popularizar os compositores desta canção, que pouco tempo depois, gravaram seus primeiros LPs. A interpretação de Elis é contida, porém não deixa de ser dramática e emocionante.

“Olhos Abertos” (2:37)
Rock rural de Zé Rodrix e Gutemberg Guarabyra (dois integrantes do trio Sá, Rodrix e Guarabyra). Em um mundo dividido entre comunistas e capitalistas, hippies alienados e militantes engajados, jovens e velhos, o canto de desejo de Elis Regina pregava união em um momento no qual o sistema queria que tudo e todos estivessem reduzidos a fragmentos.

“Vida de Bailarina” (2:25)
A sexta faixa do disco é uma regravação de um dos maiores hits de Ângela Maria. Tributo composto por Américo Seixas e Dorival Silva (também conhecido como Chocolate), “Vida de Bailarina” foi a primeira canção escolhida pela jovem Elis Regina para interpretar nas primeiras vezes em que participou de concursos de calouros da Rádio Farroupilha, de sua Porto Alegre natal. A versão que foi registrada nos sulcos do vinil revela uma interpretação discreta de Elis – fugindo a tradição dos cantores da geração de Ângela e Cauby Peixoto, que cantavam casos e desenlaces amorosos a plenos pulmões, isto é, a partir de notas altíssimas! –, conduzida pelo dedilhar jazzístico do piano de César Camargo Mariano, baixo, bateria e um arranjo singelo de cordas.

“Águas de Março” (3:05)
O Lado B se inicia com a esperançosa “Águas de Março”, uma dos maiores composições de Antônio Carlos Jobim. Lançada originalmente por Tom em maio de 1972, em um compacto (dividido com João Bosco) encartado no lendário semanário underground O Pasquim, a canção foi oferecida a Elis logo depois. A versão de Elis para a canção de Jobim se tornou tão emblemática que recebeu uma releitura da Pimentinha ao lado do Maestro Soberano dois anos depois, quando ambos gravaram Elis & Tom em Los Angeles, nos Estados Unidos.
As referências literárias e musicais, escolhidas por Tom foram as mais variadas. No entanto, os versos mais emblemáticos de “Águas de Março” são justamente os que encerram esta belíssima canção: (“São as águas de março / fechando o verão / É promessa de vida / no seu coração”). Através da voz de Tom, Elis Regina lançava em sua viagem de trevas uma (merecida) fagulha de esperança. A temporada de chuvas que fecha o verão é símbolo de esperança e renovação, apesar das trevas, dos pregos e do desgosto.

“Atrás da Porta” (2:48)
Obra-prima da parceria entre Chico Buarque e Francis Hime, “Atrás da Porta” foi escrita sob medida para a voz de Elis Regina. O que existe de curioso a respeito da história da gravação deste clássico é que Chico não havia completado apenas a primeira parte da letra desta canção quando Elis começou a gravá-la. Ao ouvir a fita que continha estes versos gravados, Chico emocionou-se e escreveu o resto da letra… O que fez de “Atrás da Porta” uma canção antológica foi o fato de que Elis a interpretou com o conformismo desesperado de uma mulher que vivia em crise amorosa permanente. Elis conhecia muito bem este circuito de trevas, pois, aos 27 anos, já tinha vivido vários amores frustrados (Solano Ribeiro, Ronaldo Bôscoli e, anos mais tarde, o próprio César Camargo Mariano!).

“Cais” (3:17)
“Cais”, de Milton Nascimento & Ronaldo Bastos, é um acalanto para a mulher abandonada descrita na faixa anterior. A invenção torna-se a única arma que restava para a viagem a qual Pimentinha trilhava. O suntuoso arranjo de cordas e o cravo tocado por César Camargo Mariano conferem um tom épico e dão à interpretação de Elis uma força de um gigante. Milton, definitivamente, conseguiu em Elis Regina sua intérprete mais singular, mais completa e mais competente graças a gravações como esta.

“Me Deixa em Paz” (2:10)
A décima canção que faz parte deste disco de Elis é uma parceria entre Ivan Lins e seu primeiro parceiro musical, o letrista Ronaldo Monteiro de Souza. “Me Deixa Em Paz”, destaca-se neste pacote não apenas pelo piano elétrico de César Camargo Mariano, como também pela elegante interpretação de Elis, que lembra um pouco as canções que interpretava em suas lendárias temporadas no Beco das Garrafas.

“Casa no Campo” (2:45)
Outro Rock rural de Zé Rodrix, desta vez em parceria com Tavito. No entanto, a gravação de Elis Regina para “Casa no Campo” é tão lembrada pela memória afetiva dos brasileiros que torna-se difícil para qualquer pessoa que faça música neste país gravá-la… A letra da canção descreve o desejo que todos nós temos em ter uma casa repleta de amigos, animais, discos, paz, calmaria, esperança… Além disso, Elis desejava uma “esperança de óculos” e seu “filho de cuca legal” (João Marcello Bôscoli), desejo que todos nós que temos filhos também compartilhamos…


“Boa Noite Amor” (2:23)
O Elis 1972 se encerra com um dos maiores sucessos de Francisco Alves. Composta por José Maria de Abreu e Francisco Matoso, trata-se de uma belíssima cantiga de ninar para a pessoa amada entoada por uma voz contida, precisa, porém sem deixar de ser emocionada. Pimentinha escolheu para finalizar seu disco uma belíssima declaração de amor para seu novo marido e parceiro musical por nove anos, César Camargo Mariano. A participação deste músico foi um dos elementos-chave na produção de um dos álbuns mais marcantes da discografia de Elis Regina.

*

Se você nunca ouviu este disco de Elis Regina e quer saber o porquê deste trabalho ser um dos discos mais importantes não só de 1972, mas de toda a história da música brasileira, não hesite mais de uma vez e ouça-o! 

Discos como este Elis fazem com que qualquer um de nós entenda o porquê do Brasil ainda necessitar ouvir Elis Regina. Este disco, que já completou 40 anos de idade, ainda tem muito a nos dizer…"

(http://pequenosclassicosperdidos.wordpress.com/2012/07/07/elis-regina-elis-1972/)


Disco e capa em muito bom estado - sem riscos.
Edição Original de 1972.
Saindo por R$ 30,00


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