domingo, 21 de setembro de 2014

Arrigo Barnabé - Clara Crocodilo (1980)



"Quando o disco Clara Crocodilo foi lançado, em 1980, a reação de boa parte do público foi de estranhamento. “Que música é essa? Isso não é música”, diziam. Por isso, minutos antes do show de Arrigo Barnabé no Mundo Pensante, em São Paulo, na última quarta-feira (19), quando tive a oportunidade de entrevistar o artista, perguntei na primeira: “As pessoas ainda estranham sua obra em 2014?”. Eu certamente não faria essa pergunta se já soubesse o que veria instantes depois: a obra de Arrigo Barnabé ovacionada e aclamada por um público em êxtase. Quase 35 anos depois, parece que o estranhamento deu lugar à admiração a um dos mais originais nomes da música brasileira. Afinal, que outra reação além do êxtase pode haver para quem acompanha ao vivo algo que certamente pode ser considerado único? Único porque não há nada igual. E não há mesmo. 

A inventividade de Arrigo foi tanta que nenhum gênero já existente poderia abarcar sua obra em Clara Crocodilo. Foi preciso criar algo totalmente novo. Ele incorporou as inovações da música erudita contemporânea e a misturou à música popular.  As estruturas foram modificadas. Não tem jeito. Nossos ouvidos acostumados às canções são levados a um local desconhecido. A essa ousadia, some um texto povoado pelo universo degradante da São Paulo do fim dos anos 70, em que um coroa leva uma prostituta com calcinha pele de leopardo ao Acapulco Drive-In, pessoas caem num antro sujo de diversões eletrônicas, a viúva grita, blasfema e se entrega a todo homem, o beijo tem sabor de veneno e, é claro, o office boy, para recuperar a caixa de supermercado que virou chacrete, se submete a uma experiência científica e vira o monstro Clara Crocodilo. Como diz a letra: “você consegue me seguir neste labirinto?” 

Nesta entrevista exclusiva ao Azoofa, Arrigo Barnabé falou sobre o processo de criação de Clara Crocodilo e as dificuldades para gravar a obra de maneira independente, comentou o reconhecimento à importância da Vanguarda Paulista, movimento do qual foi um dos principais nomes ao lado de Itamar Assumpção e Grupo Rumo, adiantou novos projetos e ainda revelou que em breve veremos um documentário sobre sua obra. Acompanhe!   

Azoofa: Em 2014 as pessoas ainda estranham Clara Crocodilo da mesma forma como em 1980, quando o disco foi lançado? 
Arrigo Barnabé: Estranham menos no mal sentido. Porque antigamente tinha o estranhamento bom e tinha o estranhamento ruim. As pessoas falavam: “isso não é música”. Então hoje em dia você não tem mais essa coisa de “isso não é música”. Esse estranhamento ruim não tem mais, mas as pessoas ficam ainda impactadas. Eu fiquei um bom tempo sem tocar o Clara. Eu fiquei quase uns 15 anos sem fazer show com banda tocando o Clara Crocodilo. 

Mas por algum motivo especial? 
Porque eu fazia outras coisas, outros trabalhos. De 2004, 2005 pra cá que eu voltei. 

Você o considera um disco atemporal? 
Eu acho que ele tem bastante potência. Ele resiste bem ao tempo. Ele resiste bem à passagem do tempo. Você o escuta e não sente o tempo. 

Apesar de o texto ter uma relação forte com a época? O texto só que tem algumas coisas que não existem mais. Você não disca mais ao telefone, por exemplo. Mas as pessoas não escutam bem esses detalhes. Elas escutam a ideia, o que é, aquela coisa meio histérica, e as linhas de contraponto, a polifonia… as pessoas escutam isso. 

Em Clara Crocodilo você quis fazer algo totalmente novo. A música não é de nenhum gênero que já existia. Foi tudo criado. De onde veio essa vontade? 
Lá em Londrina, no Paraná, a gente tinha um grupo formado por mim, o meu irmão Paulo Barnabé, o Mário Lúcio Côrtes – que fez o Clara comigo -, o Antônio Carlos Tonelli e o Robinson Borba. E a gente gostava de escutar coisas diferentes, de escutar música erudita. E eu e o Mário éramos mais radicais com isso. A gente tocava e lia bastante música e estava sempre conversando. E eu lembro que a gente leu no jornal que ia se apresentar no Festival da Canção um compositor novo, que misturava música erudita e popular. Era o Egberto Gismonti. E como a música era um sonho, nós ficamos muito curiosos: “Puta, o que será isso? Quem é o Egberto?”. A gente sempre tinha essa curiosidade. Eu tinha 16 ou 17 anos. Daí eu participei de um festival em Ouro Preto e tomei contato com música contemporânea. Conheci como é que se escrevia, como é que os caras faziam para conseguir aqueles resultados de assimetria rítmica e da sensação de você não ter um tom… E o Mário era muito talentoso. Era o melhor de nós. E a gente começou a compor junto já querendo fazer uma coisa que nunca tivesse sido feita. A gente nem sabia se isso ia pra frente ou não. Na época ela fazia Engenharia Eletrônica e eu fazia Arquitetura. E depois ele continuou a carreira na Engenharia e hoje é professor na Unicamp. Mas a primeira coisa que a gente compôs foi o Clara Crocodilo. Foi logo a primeira música. E já tinha ali um monte de ideias de coisas que não existiam.

E você fez primeiro a música? O texto veio depois? 
O texto demorou. Eu fiquei de 1972 a 79 fazendo. Trabalhando, retrabalhando, tendo as ideias… porque não tinha a ideia ainda. A gente fez a musica, mas não tinha a ideia da peça, porque o Clara é uma peça. Tem um narrador radiofônico que vai entrevistar o monstro e faz a locução – isso aí não existia. Aí a Clara canta, depois o narrador incorpora a Clara e começa a falar com a plateia:  “Vamos ver se você consegue me seguir neste labirinto”. E depois vem o coro final e ainda uma narração final. E isso não tinha. Eu fui desenvolvendo. 

Você define como a obra? 
Eu já li a definição de que é uma ópera-rock… O Clara (a faixa Clara Crocodilo, do disco de mesmo nome) é uma peça pequena. Dá uns 10 minutos. Antes dela tem o Office boy, que explica como apareceu o Clara. Essas duas músicas são juntas, são uma coisa só, você pode pensar nelas como uma coisa só, de 15 a 18 minutos de música dependendo da interpretação. Isso é como se fosse uma performance. Sei lá eu, nunca pensei direito sobre isso… ou uma mini ópera. 

Você acha que depois de você mais alguém teve essa ousadia de tentar criar algo totalmente novo na música? 
As pessoas fazem, cada um faz o novo de um jeito, mas com tanta informação como eu fiz eu não conheço. Não conheço. Mas a gente não pode achar que para a coisa ser nova ela tem que ter muita informação. Às vezes uma obra pode ter uma coisa nova nela embora não tenha uma informação nova. 

Tem algum músico atualmente que você considere de vanguarda? Eu gosto do Kiko Dinucci. Acho legal o trabalho dele. É bem interessante o que ele faz. Eu tô meio por fora… Gosto das coisas que o Paulo Braga faz como pianista, do meu irmão (Paula Barnabé) com a Patife. 

Você escuta pouca coisa nova ou pouca música em geral? 
Eu escuto pouca música em geral. 

Mesmo? 
Agora estou escutando o Lupicínio Rodrigues. Você já fez um trabalho com as músicas dele. Fiz e estou fazendo o segundo. Vou fazer agora o Caixa de ódio 2, com mais 16 canções do Lupicínio. É uma coisa que estou curtindo. Eu tenho trabalhado bastante como intérprete. Comecei com o Caixa de ódio, depois fiz a trilha de um filme que chama Anita e Garibaldi. Fiz uma trilha legal, uma canção com letra e uma valsa. Depois fiz uma série de parcerias com o Luiz Tatit. Nós nunca tínhamos feito nada juntos. Então fizemos nove canções. Eu fiz nove músicas e ele fez nove letras. A gente fez um show com essas músicas, mais algumas coisas minhas inéditas, tem uma parceria com o Zeca Baleiro, uma parceria com o Mário Manga e mais algumas músicas inéditas do Tatit. Então nós fizemos um show, gravamos e vai sair em março um CD com esse material e quem interpreta é a Lívia Nestrovski. Depois eu comecei a fazer um show cantando as coisas do Hermelino Neder, que é meu parceiro e eu gosto muito, e estava esquecido. Então eu fiz esse show Pô, Amar é Importante, com O Neurótico e as Histéricas. E paralelamente com isso tudo, como está fazendo 100 anos do nascimento do Lupicínio Rodrigues, eu estou fazendo o Caixa de Ódio 2 – Cevando o Amargo, que é o nome de uma música dele. Então esses são os meus trabalhos mais recentes. 

Você faria hoje de novo um disco de composições suas pensando em fazer algo diferente como foi o Clara Crocodilo? 
Isso não é uma coisa que você fala “eu vou fazer”. Não tem jeito, não depende da sua vontade. Você tem que ver o que você está fazendo, o que está aparecendo. Eu fiz essas coisas com o Tatit e tem três canções na onda do Clara Crocodilo. São três canções na onda do Clara, musicalmente. 

O mercado ainda impõe muitas dificuldades para os compositores que tentam algo diferente? 
O mercado… hoje em dia eu não sei o que é o mercado mais. As coisas são complicadas. É difícil você conseguir espaço, mas no meu tempo era muito, muito mais difícil. Era uma coisa assim… não tinha nada. Não tinha como gravar. 

Você bancou o Clara Crocodilo? 
O Robinson Borba bancou. Eu não tinha dinheiro. O Robinson, amigo meu daquela turma que eu te falei de Londrina, se formou engenheiro, ganhou dinheiro e, quando eu ganhei o Festival da Tupi com melhor arranjo e ganhei projeção nacional, ele veio a São Paulo e começou a trabalhar comigo. Porque chegou uma hora que nenhuma gravadora quis gravar, embora a gente estivesse fazendo bastante show em São Paulo, e com sucesso. Recentemente saiu o documentário Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista, do Riba de Castro. 

Você acha que ainda vão surgir muitos livros e filmes sobe o movimento Vanguarda Paulista? 
O (cineasta) Alain Fresnot está fazendo um documentário sobre o meu trabalho. E já tem muito material. Vai sair, só não sei quando. Eles estão captando dinheiro, mas já estão com um material enorme. 

Acredita que a Vanguarda Paulista ainda vai receber um reconhecimento maior pelo que representou? 
A gente já tem bastante reconhecimento. Acontece o seguinte: na época a gente não tinha nenhuma possibilidade de penetrar nas mídias eletrônicas. Então a gente ficou uma coisa só de jornal. Teve uma divulgação grande em jornal, mas a gente não passava na televisão nem tocava no rádio. Isso deixou o alcance limitado, pequeno. Agora é difícil mudar esse panorama. Então a gente vai ficar um objeto de estudo. Vão falar “porra, teve aquele negócio, que foi interessante”. Vão considerar, vão saber que teve aquilo, mas não vai sair disso, dentro desse alcance limitado."

(http://www.azoofa.com.br/blog/entrevistas/entramos-no-labirinto-de-arrigo-barnabe-e-clara-crocodilo)




obra absurda da vanguarda paulistana 80´s (... para muitos - e digo muitos meeesmo - a obra é difícil...rs)... 
para tentar "aclarar" o terreno, seguem postados os três links do programa "Som do Vinil", apresentado no Canal Brasil por Charles Gavin (programa incrível, diga-se, que analisa clássicos da música brasileira)...

obra cult, por óbvio...

Capa e disco em excelente estado... impecável.
Edição Original 1980. Relativamente Raro.
Saindo por R$ 90,00






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